Além
da sua beleza, os cavalos-marinhos chamam a atenção por seu sistema repro
dutivo peculiar, que se caracteriza pela
incubação dos embriões em
desenvolvimento
dentro
do corpo
do macho.
Descobertas recentes esclareceram alguns
dos ’segre
dos‘ associa
dos a essa forma única
de repro
dução e nos
deram pistas importantes sobre alguns aspectos
da biologia
do
desenvolvimento, inclusive
de nossa espécie.
Os cavalos-marinhos e seus parentes, os peixes-pipa, pertencem à família
dos
singnatídeos, um grupo taxonômico que se repro
duz por
viviparidade. Essa forma
de
desenvolvimento é encontra
da em to
dos os grupos
de vertebra
dos,
com exceção
das aves, mas é pouco
comum entre os peixes.
Os organismos em que ocorre esse tipo de incubação têm custos energéticos elevados e riscos maiores de predação. Embora os organismos vivíparos apresentem tamanhos reduzidos de ninhada se comparados com espécies que se reproduzem por meio de ovos (ovíparas), a viviparidade permite uma maior sobrevivência da prole, pois minimiza a influência ambiental durante o desenvolvimento embrionário.
A viviparidade é encontrada em 54 famílias de peixes, mas ocorre em apenas 2-3% das cerca de 30 mil espécies conhecidas. Como essas espécies não possuem útero, o desenvolvimento da prole ocorre na cavidade ovariana ou folicular.
A nutrição embrionária po
de ocorrer através
do vitelo,
de outros ovos ou mesmo
de outros embriões. Em algumas espécies os recursos alimentares e os gases respiratórios são forneci
dos aos embriões através
de estruturas epi
dérmicas,
de projeções intestinais,
de
pseudoplacentas foliculares ou
de estruturas similares a placentas, mas que possuem vitelo.
Casos raros
Peixe-pipa da espécie 'Corythoichthys haematopterus'. Assim como os cavalos-marinhos, esses animais pertencem à família dos singnatídeos, uma das 54 famílias de peixes vivíparos (foto: Steve Childs).
Sempre que se fala em vivipari
da
de, pensamos logo na incubação
da prole no corpo
das fêmeas. Há, contu
do, alguns casos extremamente raros em que o
desenvolvimento embrionário po
de se processar no corpo
de machos.
Alguns exemplos
desse tipo in
comum
de incubação ocorrem em
duas espécies
de pequenos e ameaça
dos anfíbios habitantes
do su
doeste
da América
do Sul e conheci
dos
como
sapos de Darwin (gênero Rhinoderma). Esses animais apresentam fertilização externa e seus embriões se
desenvolvem por cerca
de 20
dias no meio ambiente até se transformarem em girinos e serem captura
dos e manti
dos em expansões bucais
dos machos, conheci
das
como sacos vocais, até sua metamorfose.
Os peixes singnatí
deos são outro exemplo
da incubação
de embriões vivíparos em machos. Esse grupo
compreen
de 232 espécies conheci
das que exibem uma ampla varie
da
de e
complexi
da
de repro
dutiva. Entre os singnatí
deos, existem espécies que apresentam repro
dução externa e outras nas quais as fêmeas incubam seus filhotes. Contu
do, é a incubação por machos que faz esse grupo
de peixes especial para os estu
diosos
da repro
dução.
Em algumas espécies
de singnatí
deos, os machos mantêm os embriões em
desenvolvimento em uma bolsa
de incubação especializa
da existente na superfície
de seus ab
domes ou cau
das. Esses locais apresentam mo
dificações morfológicas e fisiológicas semelhantes às encontra
das nas fêmeas vivíparas.
As estruturas repro
dutivas mais
complexas são encontra
das nas 33 espécies
de cavalos-marinhos que também apresentam as alterações fisiológicas repro
dutivas mais marcantes. Nessas espécies, as fêmeas transferem seus gametas (ovócitos) ricos em reservas nutritivas (vitelo) para a bolsa
de incubação
dos machos, on
de ocorre a fertilização pelos gametas masculinos.
Os cavalos-marinhos machos apresentam uma produção muito reduzida de gametas
Nos machos
dessas espécies há uma pro
dução muito re
duzi
da
de gametas – apenas cerca
de 150 células por testículo, o menor valor conheci
do entre os peixes. A re
duzi
da
competição espermática nessas espécies talvez esteja associa
da
com esse processo, que talvez seja uma a
daptação para evitar a fecun
dação
dos ovócitos por mais
de um espermatozoi
de.
Após a fertilização, os zigotos se implantam rapi
damente e ocorrem
diferenciações e a
daptações fisiológicas e morfológicas nos teci
dos masculinos associa
das
com o
desenvolvimento embrionário. Há um aumento
da vascularização nos locais
de implantação embrionária. Também é observa
da a ocorrência
de alterações relaciona
das
com a osmorregulação, a aeração, a nutrição e a proteção imune
dos embriões em
desenvolvimento.
-
Cavalo-marinho grávido no Aquário de Nova York. O período de gestação dos signatídeos pode ir de 9 a 69 dias, dependendo da temperatura ambiental (foto: Jaro Nemcok).
Apesar
de os embriões receberem um suprimento rico
de energia
de suas mães através
do vitelo, acre
dita-se que os pais também contribuam
com nutrientes
durante a incubação. Além
disso, pesquisas genéticas in
dicam que as
lectinas C – um grupo
de proteínas
com ativi
da
de antibacteriana – são secreta
das pelos machos para a proteção
dos embriões antes que esses
desenvolvam as suas próprias
defesas imunes.
A gestação e depois
O perío
do
de gestação
dos signatí
deos possui uma enorme variação, po
den
do alcançar
de 9 a 69
dias,
depen
den
do
da temperatura ambiental. Após a gestação, a
pseudoplacenta dos machos é elimina
da juntamente
com os as formas jovens, que passam então a
depen
der somente
de si para o
desenvolvimento futuro. Não há, portanto, entre os signatí
deos qualquer forma
de cui
da
do paternal (ou maternal)
da prole.
A regulação hormonal
da repro
dução
dos signatí
deos
depen
de
da
prolactina, um hormônio
da hipófise que está relaciona
do
com a
osmorregulação,
com o
desenvolvimento,
com as respostas imunes e
com a repro
dução nos vertebra
dos. Nos signatí
deos, o bloqueio
da síntese
de prolactina causa abortos e a eliminação
dos teci
dos associa
dos
com a repro
dução.
-
- O esquema indica a localização e a estrutura interna da bolsa de incubação de um cavalo-marinho macho antes e durante o desenvolvimento embrionário (adapatado de Stolting e Wilson, 2007).
A
testosterona e outros
hormônios esteroides masculinos regulam o início
da incubação nos signatí
deos. Os
esteroides femininos, como o estradiol e a progesterona, por sua vez, também controlam o
desenvolvimento embrionário nessas espécies
de peixes. Contu
do, são necessárias pesquisas para verificar
como se
comportam os níveis
desses hormônios
durante a incubação masculina.
Os peixes do grupo dos cavalos-marinhos são modelos interessantes para pesquisas sobre reprodução
Diversas espécies
de signatí
deos po
dem ser cultiva
das em laboratório
com certa facili
da
de. Por terem tempos
de geração curtos (3-12 meses), eleva
da fecun
di
da
de (
de 50 a 2 mil filhotes por ninha
da) e um genoma haploi
de pequeno (
de 500 milhões a um bilhão
de bases nitrogena
das), os cavalos-marinhos e outras espécies
de seu grupo po
dem ser consi
dera
dos mo
delos interessantes para pesquisas futuras que po
derão esclarecer
como ocorre a repro
dução
do ponto
de vista morfológico, fisiológico e genético.
O estu
do
desses animais po
de gerar
da
dos essenciais para a
compreensão
desse processo em nossa própria espécie. Além
disso, esses simpáticos peixes oferecem uma oportuni
da
de para que possamos investigar o processo
de
seleção sexual e
compreen
der melhor o papel masculino na repro
dução.
Jerry Carvalho Borges
Departamento
de Me
dicina Veterinária
Universi
da
de Fe
deral
de Lavras
Sugestões do autor para leitura
Dzyuba,B., Van Look,K.J., Cliffe,A., Kol
dewey,H.J., an
d Holt,W.V. (2006). Effect of parental age an
d associate
d size on fecun
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