sexta-feira, 25 de março de 2011

A «incrível» adaptação do mexilhão das fontes hidrotermais

Biotecnologia espreita as potencialidades do sistema imunitário deste bivalve
Vive em grandes profundidades, num ambiente adverso e extremo, com um pH muito baixo e temperaturas muito quentes para aquela situação, mas quando alteradas estas condições, "parece lembrar-se de como era há milhões de anos, do ponto de vista evolutivo".
É um "valente" que, no seu meio natural, suporta grandes pressões. Mesmo assim, vive e reproduz-se, constituindo comunidades muito extensas em volta das chaminés das fontes hidrotermais, libertadoras dos elementos químicos (como o metano ou o sulforeto) essenciais para a obtenção da sua energia.
Além disso, têm a particularidade de depender de bactérias simbiontes, que se alojam no seu organismo e, através de um processo de simbiose, utilizam a matéria química para a obtenção da energia usada na criação de nutrientes que consome.
Eis o perfil deste mexilhão, "parente" daqueles que se conhecem à superfície, traçado por Raul Bettencourt, investigador do Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores (UAç), que, numa conversa com o "Ciência Hoje", falou sobre a "incrível capacidade de adaptação deste animal a novos meios" e de todas as potencialidades biotecnológicas que esconde.

"Regresso ao passado"
Quando os mexilhões são trazidos para a superfície e colocados em aquários, no laboratório, as características do seu meio natural não são reproduzidas, principalmente, a pressão e o ambiente químico onde, normalmente, eles vivem. "O nosso sistema é simplificado", embora tenha capacidade para simular algumas das condições do ambiente de profundidade, referiu Raul Bettencourt.
Perante este cenário laboratorial, este bivalve vai sofrendo alterações na sua fisiologia, sendo que, "à superfície, começa a desenvolver o seu sistema digestivo e os órgãos aumentam de tamanho". Para fazer face à mudança, "volta a um estado de filtração como existia no passado".
As brânquias, que utilizam para filtrar a água e retirar os nutrientes necessários para suprir as suas necessidades alimentares e energéticas, vão perdendo as bactérias simbiontes, mas mesmo assim são capazes de sobreviver, pelo menos dois anos em aquário. "Não sabemos se algumas ficam num estado remanescente, mas, aparentemente, há um total desaparecimento ao fim de quatro semanas", constatou o investigador do DOP.
O biólogo acredita que este animal nunca perdeu as suas capacidades adaptativas, dizendo que, "pelo menos de uma forma genética, parece manter o 'programa' que lhe diz que pode adaptar-se, de uma forma muito rápida".
Ainda não foram feitos testes sobre o crescimento e o ciclo de reprodução do mexilhão das fontes hidrotermais em aquário, mas já foi possível observar que, apesar de não haver crescimento, há libertação e fecundação de gametas e que os primeiros estádios do desenvolvimento embrionário foi alcançado.

Sistema imunitário com características comuns ao humano
O sistema imunitário do mexilhão é muito semelhante ao do Homem. "Aliás, o que nos distingue dos invertebrados é a cognição e o desenvolvimento do sistema nervoso, dos mecanismos de aprendizagem e da memória, pois as células animais fazem todas o mesmo e, a nível genético, somos parecidos", sublinhou Bettencourt.
A única distinção entre o sistema imunitário do mexilhão e do humano relaciona-se com a produção de anticorpos (resposta adaptativa), que os bivalves não comportam. Já a parcela inata deste sistema, que permite às pessoas viverem nos primeiros quinze dias (pois até aí não produzem anticorpos) também é comum ao mexilhão.
De acordo com o especialista em imunologia, "estes animais têm apenas a defesa inata, que não é tão específica como a resposta adaptativa. Contudo, é mais abrangente, pois as moléculas intervêm de forma generalista e reagem quase instantaneamente a um organismo que entre no sistema. Mantêm-no toda a vida".

Biotecnologia na mira
O interesse de Raul Bettencourt nestes mexilhões tem a ver, sobretudo, com as suas respostas imunitárias contra vírus, bactérias ou fungos.
"Sabemos que têm substâncias naturais, que são muito eficientes para o combate das bactérias", um aspecto que já foi evidenciado e que é comum a qualquer organismo vivo. Contudo, nestes animais o revestimento destas moléculas é muito "interessante" e "merece ser estudado de uma perspectiva biotecnológica".
De acordo com o investigador, as bactérias alojadas neste mexilhão produzem "super enzimas" que podem ser aplicadas na produção de bioetanol e biofuel, pelo que há um grande interesse no seu estudo e na sua sintetização a partir da informação genética já obtida e agregada na primeira base de dados mundial sobre genética do mexilhão das fontes hidrotermais, criada pelo DOP.
"Há um grande potencial que toma várias direções, desde o desenvolvimento de novos fármacos ao de enzimas industriais capazes de melhorar as atuais na obtenção de etanol", que implicam ainda "processos caros e morosos", concluiu.
Fonte: Carla Sofia Flores – Ciências Hoje

Cobre tem efeito no metabolismo de espécies marinhas invasoras

Biofixação - Fixação de organismos em substratos artificiais como as bóias, as plataformas de marinas, as plataformas petrolíferas ou os cascos dos navios.
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O estudo das invasões biológicas no meio marinho tem ganho cada vez mais relevo no contexto das alterações climáticas. Vários trabalhos científicos já comprovaram que, com o aquecimento das águas oceânicas, há variadas espécies tropicais que migram em direção aos pólos, tal como acontece com as comunidades bentônicas, que ao nível da biofixação, em particular, têm registado cada vez mais espécies invasoras.
As baías e os estuários são conhecidos por terem maior probabilidade de conter espécies invasoras e por serem ricas em poluição por metais, como o níquel, o zinco ou o cobre. Neste último caso, investigações anteriores não detetaram qualquer efeito poluidor em espécies nativas e exóticas. Contudo, um artigo publicado na revista americana PLoS ONE, vem admitir o contrário, trazendo uma nova perspectiva sobre o assunto.
João Canning Clode,biólogo português, atualmente, desenvolvendo um projeto de pós-doutorado no Smithsonian Environmental Research Center (EUA), estuda, desde 2009, padrões na ecologia de invasão em comunidades marinhas bentônicas (que dependem de fundos rochosos) na América Central e América do Norte.
Neste sentido, tem realizado várias experiências de campo para explorar o papel da escala espacial e os efeitos da poluição na biodiversidade, nativa e não-nativa, destas comunidades bentônicas e certificar-se do papel da latitude neste padrão.
"Verifiquei que quer as espécies nativas, quer as exóticas mostraram-se sensíveis ao gradiente de cobre que criei, ou seja, o número [de ambas] diminuiu com o aumento da exposição a este metal", revelou ao "Ciência Hoje".
De acordo com o biólogo, este estudo "contradiz outros anteriores que verificaram o oposto padrão noutras localidades", indicando que o cobre é um "elemento importante" a ter em conta em estratégias de controle e erradicação de espécies marinhas invasoras.
Apesar desta conclusão, João Canning Clode suspeita que os resultados podem ser afetados por especificidades locais, como a temperatura ou salinidade, pelo que ampliou o estudo a uma escala mais global, desenvolvendo o mesmo projeto no Panamá, México, Florida, Virginia e Connecticut. Porém, estes dados ainda estão sendo analisados.