Em Isla Mujeres,
Quintana Roo, no México, um peixe-papagaio-arco-íris acompanha um cardume de peixes cirurgiões: Acanthurus spp. Foto: Fabio Olmos
Apesar
de serem consideradas como recursos ilimitados, espécies marinhas enfrentam
declínios comparáveis ou maiores aos enfrentados por espécies terrestres. Nas
últimas décadas houve uma aceleração do processo de perda de habitats e, por
exemplo, cerca de 1/5 dos manguezais do mundo foram perdidos entre 1980 e 2005,
especialmente para fazendas de camarão e ocupação urbana. Além disso, 57% dos
recifes de coral foram perdidos ou encontram-se degradados, e 85% dos recifes
de ostras, uma antiga característica de estuários temperados, foram extintos no
mundo.
A destruição de habitats é resultado de um conjunto de forças: a exploração
direta, como a de corais e ostras que formam recifes; de alterações nas
condições ambientais, através do aumento de sedimentos trazidos por rios cujas
margens foram desmatadas; e de técnicas de pesca destrutivas, tais como as
redes de arrasto e o uso de explosivos.
Algumas espécies marinhas, que incluem vários moluscos, peixes como a donzela-das-Galápagos
(Azurina eupalama) e o bodião-verde-de-Mauritius
(Anampses viridis) e macroalgas ( Gigartina australis e
Vanvoortsia bennettiana) provavelmente já foram extintas devido a
alterações em suas pequenas áreas de ocorrência, especialmente devido à
poluição, mudanças climáticas, dragagens e aumento na sedimentação.
Outras extinções parecem resultar de mudanças naturais no meio ambiente físico,
o que foi sugerido para explicar o declínio do braquiópodo Bouchardia rosea no sudeste do Brasil, embora o impacto da
pesca de arrasto sobre seu habitat deva ser considerado.
Donzela-dos-Galápagos (Azurina eupalama)
Pesca
Entretanto, é a pesca, ou melhor, a exploração direta de populações animais e
vegetais o principal fator levando espécies marinhas à extinção.
São bem conhecidas as extinções totais de mamíferos marinhos como a
vaca-marinha-de-steller (Hydrodamalis gigas), presente do Japão à
Califórnia antes que humanos inventassem barcos e arpões, a
foca-monge-do-Caribe (Monachus tropicalis) e a
baleia-cinzenta-do-Atlântico (Eschrichtius robustus). Igualmente bem
sabidas são as extinções locais e ecológicas de espécies antes comuns. Entre
elas, o peixe-boi-marinho (Trichecus manatus), que ocorrida do Espírito Santo
ao Amapá e dali em todo o Caribe e Golfo do México; e baleias, como a azul (Balaenoptera
musculus). Para saber mais sobre o assunto recomendo An Unnatural History of the Sea, de Callum Roberts.
Menos conhecidas são as extinções de criaturas com menor carisma.
Várias
espécies de peixes capturados, comercialmente, estão seguindo o mesmo caminho,
uma história de exploração insustentável que teve início com o uso humano dos
recursos pesqueiros. Poucos recordam que, como fazem os salmões, não muitos
séculos atrás, esturjões beluga (Huso huso) de 8,5 m migravam do mar
para desovar no Danúbio, sustentando comunidades pré-romanas. E que foi o
esgotamento de estoques pesqueiros na Europa medieval, já no ano 1000, que
levou à exploração do Mar do Norte e às primeiras travessias transatlânticas
(vejam Fish on Friday, de Brian Fagan).
Através da história, a pesca tem funcionado em ciclos de boom-colapso,
explorando “estoques pesqueiros” até que a atividade se tornasse anti-econômica
e, depois, passando à espécie seguinte. No mundo há exemplos clássicos, entre
eles o colapso das populações de bacalhau (Gadus morhua) no Atlântico
Norte, onde se dizia ser possível caminhar sobre os peixes na água tal era sua
abundância. Atuns-de-nadadeira-azul (Thunnus thynnus) já foram reduzidos
em mais de 85% e caminham para sua extinção ecológica (e eventualmente
econômica), enquanto preços cada vez mais elevados e subsídios governamentais
dão impulso econômico a uma atividade biologicamente insustentável.
Situação no Brasil
No
Brasil, considera-se que 80% dos estoques pesqueiros explorados comercialmente encontram-se sobrexplotados ou já colapsaram. A pesca da
sardinha (Sardinella brasiliensis) levou ao colapso das suas populações,
que hoje se recuperam apenas devido à imposição de defesos aceitos de má
vontade pelos empresários da pesca. Os restos de enlatadoras de sardinhas na
Baía da Ilha Grande (RJ) e litoral de São Paulo são testemunhas do colapso do
recurso.
Um caso que deveria ser mais divulgado é o da população brasileira do budião ou peixe-papagaio (Scarus guacamaia), um gigante
de 1,20 m e 20 kg, que talvez fosse uma espécie diferente da do Caribe, extinta
por pescadores artesanais e caçadores submarinos que visam adultos e por
impactos nos manguezais dos quais os juvenis dependem. Mesmo destino tiveram
populações locais de vários peixes recifais ou “de toca” e lagostas capturados
por pescadores e caçadores submarinos.
Entre os que mais sofreram declínios estão as caranhas e pargos (Lutjanus
spp.), meros (Epinephelus itajara) e garoupas e badejos (Mycteroperca
spp). Antes comuns em locais como as ilhas do litoral paulista, estas espécies
foram eliminadas das áreas que não contam com proteção. Um dos fatores que
contribui para o declínio de espécies como garoupas e badejos é o fato de serem
hermafroditas protogínicos. Ou seja, os exemplares grandes são todos machos e
sua remoção pela pesca afeta a estrutura populacional e o sucesso reprodutivo.
Invertebrados também têm sido localmente extintos, como o grande búzio (Strombus
brasiliensis), que ocorria do Ceará ao Espírito Santo e é coletado pela sua
carne, enquanto a concha é vendida como souvenir. Este comércio também eliminou
populações locais de estrelas-do-mar de maior porte, enquanto o comércio para
aquariofilia extinguiu populações da anêmona gigante (Condylactis gigantea) em locais como
Búzios (RJ). A coleta para isca de pesca, por sua vez, eliminou poliquetos de
grande porte, como o surreal Eunice sebastiani de boa parte das áreas onde ocorriam.
Eunice sp.
A pesca de arrasto, que visa principalmente camarões, também destrói habitats,
como as pradarias de fanerógamas, e captura outras espécies que se tornaram
praticamente extintas. Um exemplo clássico são as vieiras ( Euvola ziczac)
na costa sudeste do Brasil, ainda comuns na década de 1970, ou os cações-viola
( Rhinobatos spp.) e várias estrelas-do-mar. Deve-se também enfatizar que
a pesca com espinhéis pelágicos voltada a atuns, tubarões e peixes de bico é
uma das principais causa do declínio de tartarugas-marinhas e albatrozes, além
dos próprios tubarões.
Tubarões, peixes-serra ( Pristis spp.) e raias-manta ( Manta e
Mobula spp.), que em geral apresentam baixa fertilidade e levam às vezes
mais de 10 anos para atingir a maturidade sexual, constituem um dos grupos mais
ameaçados, com extinções totais em grande parte de antigas áreas de ocorrência
(exemplo, os peixes-serra no leste brasileiro) e declínios generalizados.
Por exemplo, descrito por Jacques Cousteau como o mais abundante no planeta, o
tubarão-galha-branca-oceânico (Carcharhinus maou ou longimanus),
teve declínio de mais de 90% no Atlântico Ocidental. Tubarões-de-galápagos ( Carcharhinus
galapagensis) eram tão comuns nos remotos Penedos de São Pedro e São Paulo
na década de 1970 que dificultavam o desembarque e o mergulho. Esta população
foi totalmente extinta por barcos espinheleiros que continuam atuando na
região.
Endêmico do litoral orlado por manguezais sob influência da descarga do rio
Amazonas, o cação-quati (Isogomphodon oxyrhynchus) sofreu um
colapso populacional superior a 90% como resultado da captura em redes de
espera e arrasto e está gravemente ameaçado de extinção. No litoral do Rio
Grande do Sul, a pesca levou a reduções drásticas nas populações de cações-anjo
(Squatina spp.), violas (Rhinobatos horkelii) e cações-listrados
(Mustelus fasciatus), especialmente quando praticada nas áreas de reprodução. Hoje, esses animais
estão ameaçados de extinção.
Cação-viola ( Rhinobatos sp.)
A pesca de arrasto continua a ocorrer nesta região, apesar de restrições
legais, devido à falta de fiscalização no mar e o expediente dos barcos
pesqueiros desembarcarem sua captura com auxílio de embarcações menores que
evitam o controle dos terminais de pesca onde há fiscais.
Efeito Dominó
O
colapso de populações leva a um rearranjo das comunidades e ecossistemas já que
espécies que se tornam funcional ou ecologicamente extintas podem causar
efeitos-dominó. O colapso de populações de peixes abundantes e com alto
conteúdo energético como sardinhas, manjubas e cavalas afeta seus predadores,
que podem também ter suas populações reduzidas ou utilizar outras espécies até
então livres de predação. Também são perdidas interações importantes, como
aquelas entre aves marinhas que se alimentam em associação a atuns e outros
predadores oceânicos. Em diversas partes do mundo nota-se um aumento nas
populações de águas-vivas e ctenóforos associado ao declínio das populações de peixes
explorados comercialmente, indicando mudanças fundamentais nos ecossistemas.
A forma mais eficiente de enfrentar a extinção de espécies marinhas é estabelecer áreas protegidas como zonas de exclusão de pesca, parques e
reservas marinhas onde a pesca (mas não outras atividades) é
proibida. Na verdade, sabe-se hoje que estas áreas podem aumentar a
produtividade pesqueira de uma região por atuarem como uma fonte de recrutas que colonizam as áreas sujeitas à pesca.
Infelizmente, no Brasil, as áreas protegidas na zona costeira ocupam apenas
1,5% de nossos mares, e mesmo este percentual inclui em sua maior parte
restingas e manguezais. Não há nenhuma unidade de conservação federal de
proteção integral totalmente marinha. Somente 18% dos estuários estão em áreas protegidas
e este índice cai para 0,2% quando se considera apenas as unidades de proteção
integral.
No caso dos manguezais, o porcentual total de proteção chega a 75% se são
consideradas as áreas de proteção ambiental (APAs), categoria de “proteção” que
na verdade tem pouco valor na prática. O percentual cai para 13% se ao
consideradas apenas as unidades de proteção integral. Deve-se notar que o
Código Florestal considera manguezais áreas de preservação permanente, embora
na prática esta disposição seja contornada por obras de “interesse social” como
portos e instalações industriais.
Mesmo nas reservas existentes há problemas de gestão, como exemplificado pela
Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo, onde a caça submarina é comum
mesmo em áreas proibidas e a pesca industrial ainda ocorria com conivência dos
“extrativistas”.
Regiões importantes continuam desprotegidas sem que haja esforço para sua
proteção. Entre estas estão as áreas de reprodução de cações e violas no Rio
Grande do Sul, os montes submarinos da cadeia Vitória-Trindade, o Arquipélago
de São Pedro e São Paulo, estuários e ilhas costeiras no litoral sudeste,
estuários no Maranhão e Pará e recifes na plataforma continental entre a Bahia
e o Espírito Santo, além do entorno de ilhas. No último caso, há os exemplos da
ilha de Queimada Grande e o arquipélago de Alcatrazes, onde uma proposta de
parque nacional marinho aguarda há décadas para avançar.
Estas seriam áreas a considerar caso o Brasil deseje atingir os 12% de áreas
marinhas protegidas que as Nações Unidas propõem como meta para 2020.
*Texto adaptado de Espécies e
Ecossistemas, mais recente livro de Fabio Olmos
O Projeto Biomar comunica que a lista "completa" de Animais Marinhos em Perigo de Extinção se encontra no site do IBAMA no endereço a seguir:
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