quarta-feira, 26 de agosto de 2009

AMOR, ESTRANHO AMOR


Peixe de mangue brasileiro se reproduz há milhões de anos sem sexo; biólogos agora explicam por quê

A cena deve ter acontecido repetidas vezes com aquaristas incautos. O sujeito compra um peixinho solitário (só para garantir que seu aquário não seja vitimado por uma superpopulação) e, semanas depois, dá de cara com ovos -dos quais saem peixinhos, é claro.

Não vale dizer que a "fêmea" já veio prenhe da loja. O Kryptolebias ocellatus, conhecido como killifish entre os criadores de peixes ornamentais, é uma espécie de fertilização externa. O que significa que as "fêmeas", por definição, não ficam prenhes, já que os machos lançam seu esperma sobre óvulos expelidos por "elas" na água. O que acontece é que o peixinho brasileiro é um dos dois únicos vertebrados que fecundam a si mesmos.

A esquisitíssima história natural e evolutiva desse comportamento está descrita num artigo recente na revista científica "PNAS", que tem como um dos autores o doutorando Sergio Maia Queiroz Lima, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Lima e colegas dos EUA e da Austrália, com a ajuda de análises genéticas, mostraram que 97% dos indivíduos da espécie são gerados dessa maneira solitária.

Além disso, a comparação do DNA do bicho com o de uma espécie próxima que também se autofecunda (o K. marmoratus, do Caribe e da Flórida) sugere que toda essa linhagem de peixes pode ter adotado esse hábito há milhões de anos.

O dado é surpreendente porque se supõe que o sexo "tradicional", não-solitário, é uma ferramenta indispensável para a saúde genética de uma espécie. A dupla de Kryptolebias, no entanto, parece se virar muito bem, obrigado, sem ele.

Idiossincrático

Lima conta que os hábitos e a fisiologia do K. ocellatus são pouco conhecidos. Até a distribuição geográfica da espécie é pouco conhecida, embora ela aparentemente ocorra nos mangues que vão de Santa Catarina ao Rio de Janeiro.

O killifish brasileiro está adaptado à vida nas áreas com água doce do manguezal. "Ele não aguenta nem água salobra [comum na área de contato entre mar e rio]", diz Lima.

O parente caribenho do K. ocellatus, reconhecido adepto da autofecundação, tem sua população dividida em hermafroditas (com órgãos reprodutivos dos dois sexos) e machos. Lima se encarregou de analisar os tecidos genitais da espécie brasileira e verificou, em primeiro lugar, que todos os espécimes coletados eram hermafroditas.

"Quando você examina o animal, o que aparece é um tipo de mistura dos tecidos do macho e da fêmea", diz o biólogo. "A fecundação normalmente seria externa, mas o que acontece é que ele já bota o ovo fecundado -às vezes um único ovo."

Até aí, pareceria impossível distinguir a autofecundação de simples partenogênese, ou "nascimento virgem". Na partenogênese, o óvulo origina um novo animal sem fecundação.

No entanto, há uma diferença importante. Na partenogênese, o óvulo e o indivíduo que surge a partir dele carregam apenas um conjunto de cromossomos, as estruturas enoveladas que guardam o DNA.
No sexo "tradicional", os animais resultantes têm dois conjuntos de cromossomos, um cedido pelo pai e o outro, pela mãe. A não ser, claro, que pai e mãe sejam o mesmo bicho.

O que vale para cromossomos vale também para genes: os indivíduos recebem duas cópias, uma de cada genitor. É comum que essas cópias apresentem versões diferentes, os chamados alelos. O que ocorre com o K. ocellatus, contudo, é a presença de alelos iguaizinhos na maioria dos genes - exatamente o que se esperaria se o bicho estivesse quase só cruzando consigo mesmo.

Vício antigo

Os pesquisadores, usando estimativas das taxas de mutação no DNA e comparando as várias espécies do gênero Kryptolebias (a maioria não se autofecunda), avaliam que esse modo de reprodução provavelmente surgiu no ancestral comum das duas espécies adeptas da estratégia. E isso há pelo menos centenas de milhares de anos -uma das estimativas chega a 2 milhões de anos de separação entre as linhagens de killifish.

É aqui que o mistério se aprofunda. A variabilidade genética associada ao sexo -inclusive o fato de ele permitir alelos diferentes no mesmo DNA- é um trunfo no jogo da evolução. A reprodução sexuada aumenta as chances de produzir crias resistentes a parasitas, doenças ou ambientes novos e hostis. Por que deixar isso de lado?

O pulo-do-gato, aposta Lima, é que uma pequena parcela das fecundações de K. ocellatus ainda acontecem à moda antiga. "É uma estratégia mista, na verdade. Esse fato impede que haja problemas muito graves ligados à falta de diversidade genética. E o "selfing" [autofecundação] permite que o animal colonize novos ambientes com muita facilidade. Um único indivíduo é capaz de fundar uma nova população", diz.

A melhor maneira de encarar o peixinho, portanto, é vê-lo como um pioneiro - ou, quem sabe, uma estranha mistura de Adão e Eva, pronta para dar início a uma vasta família.

Reinaldo José Lopes escreve para a "Folha de SP"

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

BIOLUMINESCÊNCIA PROFUNDA



Sete novas espécies de vermes luminescentes que vivem a mais de 1,8 mil metros de profundidade são descobertas

Agência FAPESP – Em mais uma amostra da diversidade desconhecida dos oceanos, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos e da Suécia descobriu sete novas espécies de vermes. Os animais, que vivem nas profundezas, emitem luz verde brilhante.

A descoberta foi descrita na edição de 21 de agosto da revista Science, pelo Instituto de Oceanografia Scripps na Universidade da Califórnia em San Diego.

Pertencentes ao filo dos anelídeos (Annelida), as sete espécies medem entre 1,8 e 9,3 centímetros de comprimento. Foram encontradas com a ajuda de veículos operados remotamente em profundezas de 1,8 mil a 3,7 mil metros.

No artigo, os autores fazem a descrição de uma das espécies, à qual deram o nome de Swima bombiviridis, por causa da capacidade de nadar e da presença de “bombas verdes”, estruturas cheias de fluido que, ao serem liberadas, produzem luz por vários segundos.
Segundo os pesquisadores, um aspecto notável na descoberta é que não se trata de criaturas raras. Rara é apenas a oportunidade de observar e de coletar tais animais, como foi feito no estudo.

“Encontramos um grupo completamente novo de animais relativamente grandes e extraordinários. Mas não são animais raros. Pudemos observar com frequência centenas deles juntos”, disse a coordenadora do projeto. Os vermes são transparentes, com exceção de sua área abdominal.

“As profundezas entre 1 mil e 4 mil metros formam o hábitat menos explorado da Terra. Com pouco tempo de uso de veículos submersíveis e apenas na costa da Califórnia, conseguimos descobrir sete novas espécies. Isso mostra o quanto ainda temos pela frente para encontrar”, disse outro pesquisador, também do Instituto Scripps e autor do estudo.
O artigo Deep-sea, swimming worms with luminescent “bombs”, de Karen Osborn e outros, pode ser lido por assinantes da Science em http://www.sciencemag.org/.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Poluição faz caranguejo mudar de sexo, diz biólogo


Uma tinta muito usada por pescadores para pintar o casco de barcos pode estar fazendo um tipo de caranguejo do Sudeste do Brasil trocar de sexo.
Análises iniciais mostram que o contato com o poluente tem feito as fêmeas dos grupos estudados se masculinizarem.

De acordo com o biólogo Bruno Sant'Anna, da Unesp, caranguejos ermitões da espécie Clibanarius vittatus em 13 estuários estudados, de Cananeia (SP) a Paraty (RJ), registraram o composto TBT (tributilestanho) em seus órgãos.

Altamente tóxico, o TBT é usado como biocida em tintas para cascos de barcos desde os anos 1960. A aplicação desse produto, proibido países como Japão e França, evita que cracas, algas e mexilhões grudem nos cascos e diminuam a velocidade da embarcação.

Existem alternativas no mercado de tintas navais, mas a eficiência e o custo dos novos produtos têm feito com que muitos consumidores prefiram a tinta dita "envenenada".

Existem vários estudos, espalhados pelo mundo, mostrando que o TBT provoca imposição sexual em moluscos. "O poluente induz a produção de hormônio masculino", diz Sant'Anna. Em colaboração com cientistas da USP, o pesquisador tenta provar que o mesmo ocorre com ermitões.

A presença de TBT nos estuários onde os bichos vivem, e dentro dos próprios organismos, já está documentada. "A maior evidência de que a troca de sexo também está ocorrendo aqui é que coletamos ermitões com os dois sexos em 3 das 13 áreas mapeadas", diz.

Como não há na natureza ermitões hermafroditas, a hipótese de Sant'Anna é que os animais coletados estejam em pleno processo de troca de sexo. Em menos de um ano, as estruturas femininas sumiriam e os animais se tornariam machos, sob efeito do TBT. Por enquanto, o número de caranguejos hermafroditas é baixo --apenas 5% dos animais coletados-, mas já é suficiente para causar alarme nos pesquisadores.

Dieta poluída - O experimento no laboratório para comprovar a ligação entre TBT e mudança de sexo, começa em dias. Serão colocados no laboratório três grupos de 60 animais: só machos, só fêmeas e bichos de dois sexos. Metade de cada população vai entrar em contato com doses de TBT. O restante dos animais servirá como controle.

Segundo Sant'Anna, as fêmeas e os bichos com os dois sexos devem todos virar machos. "Os indícios do papel do TBT são grandes", diz.

Outros dois experimentos, já realizados na Unesp em São Vicente (SP), trazem uma conclusão boa e outra ruim.
"Nós analisamos como os bichos absorvem o poluente. A alimentação tem mais importância do que a água", diz Sant'Anna. Como os ermitões comem outros pequenos animais, o TBT deve estar presente em todos eles, e no dissolvido apenas na água do mar.

A boa notícia, que pode ser ruim também se não houver um esforço de fiscalização para impedir o uso das tintas envenenadas - disponíveis no mercado nacional, apesar de existir uma convenção da Organização Marítima Internacional contrária ao produto -, é que o TBT é eliminado em 35 dias pelos animais. Ou seja, é possível salvar os bichos que ainda não começaram a trocar de sexo.

O biólogo também vai estudar mais 12 estuários. Estados como Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina serão mapeados. "Em todos esses lugares existem barcos e ermitões. A contaminação é praticamente inevitável", diz Sant'Anna. (Fonte: Eduardo Geraque/ Folha Online)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nível alarmante de subida dos níveis do mar e os recifes de coral.

Um novo estudo olhou para trás para identificar a possibilidade de ocorrer, no futuro próximo, uma elevação no nível do mar com consequências catastróficas.

Segundo pesquisa publicada na revista Nature, o derretimento de gelo marinho há mais de 100 mil anos, antes da última glaciação, fez com que os níveis do mar se elevassem rapidamente, atingindo com grande intensidade os recifes de coral.
Os resultados confirmam o período e a magnitude da mais recente elevação de grande intensidade ocorrida no planeta e aumentam as preocupações de que o atual aquecimento global possa ter consequências semelhantes.

Paul Blanchon, da Universidade Nacional Autônoma do México, e colegas do Instituto de Ciência Mainha de Leibniz, na Alemanha, estudaram recifes fossilizados na península de Yucatán, no México, e descobriram que durante o último período interglacial muitos recifes morreram e foram substituídos por novos em um nível acima do anterior.
A mudança ocorrida durante o período ecológico foi causada pela rápida elevação de 2 a 3 metros no nível do mar que ocorreu há cerca de 120 mil anos. Segundo os cientistas, a velocidade do salto indica que ele ocorreu em um momento de grande perda de gelo durante a fase mais quente no último período interglacial.
Para os pesquisadores, caso o degelo na Antártica e na Groenlândia continue no nível atual, há um grande risco de que um “aumento catastrófico” no nível do mar ocorra por volta de 2100. Se isso se confirmar, os primeiros a sentir os efeitos serão os recifes de coral, já muito afetados pela ação humana.

“Em nosso mundo em aquecimento, as implicações de um salto rápido, em escala de metros, durante o último período interglacial são claras tanto para a estabilidade futura do gelo marinho como para o desenvolvimento de recifes de coral”, afirmaram.
O artigo Rapid sea-level rise and reef back-stepping at the close of the last interglacial highstand, de Paul Blanchon e outros, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com.